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Sustentabilidade

A Belém da COP30

Belém vai receber o evento num momento em que os olhos do mundo se voltam para os povos que protegem a floresta

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A Belém da COP30
A Vila COP30 começou a ser construída em janeiro, com um orçamento de quase R$ 195 milhões (Crédito: Problemas Brasileiros)

A 30ª Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP30) da Organização das Nações Unidas (ONU) promete ser histórica: primeira vez, ela acontecerá no coração da Amazônia. Belém vai receber o evento num momento em que os olhos do mundo se voltam para os povos que protegem a floresta. Indígenas, quilombolas, ribeirinhos e comunidades tradicionais — os que mais sentem as consequências do aquecimento global — buscam espaço ao lado de gigantes da economia, muitos deles com atividades que degradam o meio ambiente, como mineração e petróleo.

A confirmação da capital do Pará como sede da COP30, ainda em 2023, veio acompanhada de uma enxurrada de críticas, mas que pouco têm a ver com essa aparente contradição, mas, sim, com a infraestrutura urbana. Agora, às vésperas do evento, as críticas aos investimentos não realizados em infraestrutura e dificuldades de hospedagem se acumulam. Em junho, nas Reuniões Climáticas de Meio de Ano, espécie de pré-COP que aconteceu em Bonn, na Alemanha, representantes da sociedade civil e negociadores de vários países bombardearam a presidência brasileira da Conferência com questionamentos sobre as opções de hospedagem. Também na Alemanha, a sul-africana Tasneem Essop, diretora-executiva da Climate Action Network, a maior rede internacional de coletivos socioambientais, protestou: “Esperamos tanto essa COP, pensávamos que seria a COP do povo, e não poderemos ir”. Ela disse temer que o custo e a falta de lugares para hospedar os participantes levem a ONU a reduzir o número de pessoas credenciadas e que empresas privadas dominem o encontro.

A resposta de André Corrêa do Lago, presidente da COP30, veio em quatro cartas públicas dirigidas à comunidade internacional: uma defesa pela escolha da cidade para sediar o evento e a garantia de que, apesar das críticas, a Conferência está confirmada. Na primeira carta, Lago explica que a escolha de Belém simboliza a conexão direta com um dos ecossistemas mais críticos para o combate às mudanças climáticas, reforçando o compromisso com a preservação da floresta e a integração dos conhecimentos tradicionais dos povos locais. Na quarta manifestação, publicada em junho, reforça que a cidade será palco de ações transformadoras, conectando a Conferência às realidades locais e aos desafios da Amazônia. Lago não cita explicitamente a polêmica envolvendo o setor hoteleiro ou prazos do governo paraense para a entrega de obras, como o complexo de hotéis da Vila COP30, com entrega prevista somente para novembro, mês do evento.
 
A polêmica seguiu. Em julho, 25 países assinaram uma carta sugerindo que o evento aconteça, pelo menos em parte, em outra cidade. Isso se os preços exorbitantes de hospedagem não forem resolvidos. A resposta de Lago, desta vez, veio num evento da Associação de Correspondentes Estrangeiros (AIE). Segundo o embaixador, a rede hoteleira de Belém tem praticado preços dez vezes mais altos que o normal. "Os hotéis não se dão conta da crise que estão provocando", afirmou, garantindo que há um esforço do governo para baixar os preços. Como a legislação brasileira não permite impor limites às tarifas, a única opção é o diálogo. Por enquanto, a cúpula da COP30 garante que não há possibilidade de o evento, ou parte dele, acontecer fora do Pará. “Vai ser em Belém. O Plano B é B de Belém”, afirmou Lago em audiência na Câmara dos Deputados. 

Estrutura para quem? 

Com um padrão AA+ e AA, direcionado a acomodar líderes de governo de vários países, a Vila COP30 começou a ser construída em janeiro, orçada em quase R$ 195 milhões, com entrega em novembro, já durante a Conferência. Serão cinco torres com 405 suítes, além de um bloco central de serviços para o conforto das delegações dos países convidados.

Além desse empreendimento, outros contratos estão sendo firmados para garantir a hospedagem dos mais de 50 mil visitantes aguardados. O Governo do Estado do Pará assinou, em setembro de 2024, a construção de um luxuoso hotel no antigo prédio da Receita Federal, no centro da cidade, ao lado da Estação das Docas e a menos de um quilômetro do Mercado Ver-o-Peso, principal cartão postal da capital paraense. O prédio de 18 andares, com 2.709 metros quadrados, foi consumido por um incêndio em 2012, estava sem uso e foi cedido ao Estado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). O governo estadual terá participação nos lucros do hotel, de 2% do valor arrecadado, pelos próximos 30 anos.

Também em setembro do ano passado, o ministro das Cidades, Jader Filho, esteve no Palácio dos Despachos, em Belém, ao lado do governador (e irmão) Helder Barbalho, anunciando investimentos de mais de R$ 1 bilhão em obras. Durante o evento, o ministro apresentou o projeto da Orla do Distrito de Icoaraci, que inclui a construção do Terminal Turístico de Icoaraci, avaliado em R$ 8.767.858,10, com previsão de entrega em agosto deste ano, e a reforma do Ver-o-Peso, que já está passando por obras.

A reportagem da Revista Problemas Brasileiros percorreu o Icoaraci em busca das melhorias anunciadas. Diante das diversas placas que divulgam investimentos e melhorias do local, Marcelo Arthur, de 19 anos, filho de um artesão das olarias do Paracuri, no Distrito de Icoaraci, vê na COP30 a esperança de crescimento para a comunidade. “Penso muito no trabalho, nos turistas que podem vir visitar e espalhar nossa arte, nossa cultura da cerâmica”, diz o jovem. Socorro Gaia, de 60 anos, artesã do Paracuri, é mais cética. “Foi anunciado, mas até agora não teve nada. Não fomos convocados para nenhuma reunião sobre o assunto”, relata. Quanto ao evento, o olhar é pragmático. “É sobre melhorar algo da Amazônia, do clima amazônico. Para o Turismo, vai ser muito bom. Vai vir gente de muitos países e pode aumentar nossas vendas”, acredita. Rosilene Trindade, 47 anos, mestre artesã que atua há 30 anos no local, participou do cadastramento realizado pelo Governo do Estado para a revitalização da área. “Fizeram o cadastramento de todos os artesãos e trabalhadores de alimentação. Disseram que era para aguardar, mas, até agora, nada. Não falaram se seria antes ou depois da COP”, conta. Rosilene demonstra conhecimento e otimismo sobre a importância do evento. “É um movimento ambiental mundial, em que cada país discute suas particularidades. Toda reunião para o bem é válida”, finaliza.

O saneamento básico é outro ponto de atenção e crítica na cidade-sede da COP30. De acordo com dados do Instituto Trata Brasil, embora 95,5% da população tenha acesso a água tratada, apenas entre 15% e 19% dos domicílios estão ligados à rede de coleta de esgoto. O índice de tratamento chega a apenas 2,4%, colocando Belém entre as seis capitais com pior desempenho nacional nesse quesito. O governo estadual paraense prometeu uma rede de saneamento básico e macrodrenagem de canais, avaliada em R$ 124.058.189,46, que inclui o canal da Rua Gentil Bittencourt, na Bacia do Tucunduba, no centro de Belém. Há ainda a reforma do canal da Avenida Almirante Tamandaré e a construção do parque linear, no valor de R$ 156.936.600,47, e reparos do canal da Avenida Visconde de Souza Franco, conhecida como Doca, também com parque linear, avaliados em R$ 115.780.199,84. Procurado, o governo não se pronunciou sobre o andamento dessas obras e se estas serão concluídas até a COP30.

Impulso econômico

A COP30 não é um ponto de chegada, mas de partida, opina o jornalista paraense Jorge Bentes, com experiência em diversas emissoras de televisão e em cobertura de grandes eventos internacionais. “O assunto ‘clima e sustentabilidade’ nunca mais vai sair de moda. Ou a gente debate isso, ou caminharemos para um abismo”, argumenta. Bentes acredita que Belém carrega um simbolismo poderoso. “Somos uma capital que é berço de soluções para o equilíbrio climático”, ressaltando que o evento marca um rebranding da cidade. “Assim como o Rio não tinha estrutura pronta para as Olimpíadas e as cidades da Copa precisaram se adaptar, Belém também está nesse processo”, defende, alertando para as comparações com o Círio de Nazaré, grande evento de natureza religiosa que acontece na capital. “No Círio, recebemos 2 milhões de pessoas. As famílias abrem suas casas, os visitantes vêm para curtir e hospedam-se de forma improvisada. Para a Conferência, precisamos de 50 mil a 52 mil leitos, porque os participantes exigem hospedagem individual. São diplomatas, executivos e profissionais que vão trabalhar”, compara. Sobre o preconceito, dispara: “É real e acontece em diferentes níveis. A mídia nacional foi forçada a olhar para cá, e muitos estão descobrindo agora problemas que são resultado de séculos de exploração. É a primeira vez, desde o ciclo da borracha, que a cidade recebe investimentos dessa magnitude”.

Com a previsão de mais de 50 mil pessoas em Belém durante a COP, o governo do Pará lançou uma campanha para incentivar a população a oferecer imóveis para aluguel de curta temporada. O material oficial da Secretaria de Turismo (Setur) apresenta a proposta como uma oportunidade de geração de renda e bons negócios. A ideia é que os moradores se cadastrem como anfitriões em plataformas online, oferecendo casas, apartamentos e até cômodos. Tony Santiago, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Pará (Abih-PA), está otimista quanto ao preparo do setor hoteleiro. “A grande maioria dos hotéis investiu recursos próprios em obras de retrofit e novas unidades. São oito hotéis em construção, incluindo duas redes internacionais”, detalha. O dirigente, que reconhece a concorrência natural de outras regiões, afirma ser compreensível o desejo de Estados mais desenvolvidos sediar um evento como esse, mas rebate as acusações de abuso nos preços, feitas principalmente por entidades da sociedade civil. “O Governo do Estado está realizando grandes obras, melhorando a infraestrutura. Fizemos um estudo comparativo com a última COP, realizada em Baku, no Azerbaijão, e os preços estão alinhados. A diferença é que lá havia mais opções. Houve uma alta inicial, mas os preços já estão caindo e garantimos tarifas subsidiadas para delegados, cumprindo o nosso papel”, reforça.

Em julho, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) notificou a rede hoteleira da cidade solicitando esclarecimentos acerca das tarifas cobradas. Os hotéis devem fornecer informações sobre a categorização oficial, o cadastro no Ministério do Turismo, o total de acomodações disponíveis e o histórico de preços das diárias entre 2019 e 2024. Elizabete Grunvald, presidente da Associação Comercial do Pará (ACP), acredita que a realização da COP30 em Belém representa uma oportunidade histórica para reposicionar o Estado (e a Amazônia) no cenário mundial. “A cidade está se preparando com um grande esforço conjunto dos governos federal, estadual e municipal, das entidades empresariais e da sociedade civil”, garante. Segundo Elizabete, os efeitos já são percebidos. “O município já vive os resultados positivos pré-COP30, com o crescimento do turismo, da gastronomia e de eventos corporativos”, destaca. Ainda assim, a dirigente reconhece que a rede hoteleira atual não comporta, sozinha, a demanda e, por isso, já estão em andamento novos empreendimentos e a locação de dois navios transatlânticos para funcionarem como hotéis flutuantes. Também estão previstas a utilização de hotéis de trânsito das Forças Armadas e a adaptação de universidades e escolas para acolher parte dos visitantes.

Dúvidas a respeito da hospedagem durante a COP30 já afetam até mesmo as bolsas internacionais de financiamento para jornalistas freelancers. Um exemplo é a Climate Change Media Partnership COP30 Reporting Fellowship, bolsa voltada para profissionais da imprensa que cobrirão o evento. No formulário de inscrição, a organização incluiu a seguinte pergunta: “Em razão das incertezas sobre a hospedagem durante a COP, é possível que os bolsistas sejam solicitados a dividir um quarto com até três outros colegas do mesmo gênero. Por favor, informe-nos se há algum motivo pelo qual você se sentiria desconfortável em compartilhar o quarto”.

Amazônidas em segundo plano

Alessandra Korap Munduruku é uma das principais lideranças indígenas do mundo. Ativista socioambiental, é uma das seis vencedoras do Prêmio Ambiental Goldman, conhecido como o Nobel do Meio Ambiente. Num desabafo, ela fala sobre o que é ser uma voz que lideranças globais ignoram quando se trata de mudar, na prática, o olhar sobre a Amazônia. “A gente está gritando, mas ninguém escuta”, enfatiza, acrescentando que os povos da floresta continuam silenciados, mesmo quando o mundo discute, no território dessas pessoas, as mudanças climáticas. “Não estamos conseguindo apoio do governo federal. Quando falamos de clima, de defesa do território, não temos espaço. E mesmo com a COP acontecendo aqui no Brasil, a gente continua invisível”, acusa.

Alessandra critica  a exclusão dos povos originários dos debates globais e nacionais. “Não temos dinheiro para pagar hotel, para pagar passagem e chegar até Belém. Moro no Pará, são dois dias por terra, três por barco. É distante e caro. A Amazônia é grande e quem vem de mais longe acha que estamos participando, mas não estamos. Nós não temos voz, mas temos o grito para falar que estamos aqui — e sofrendo”, conclui.

Em nota, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República pontua que sediar a COP é uma oportunidade para que o Pará e o Brasil possam se tornar protagonistas do debate sobre o clima, propondo alternativas de desenvolvimento sustentável que respeitem a Amazônia e seus povos. A nota afirma, ainda, que para preparar Belém para sediar o encontro, mais de 30 obras estruturantes estão sendo conduzidas na esfera do governo estadual, com investimentos da ordem R$ 4,5 bilhões, voltados para desenvolvimento urbano, mobilidade e macrodrenagem. “Esses investimentos vão deixar um legado que vai melhorar a qualidade de vida da população e criar novas oportunidades para 2 milhões de pessoas que residem na Região Metropolitana de Belém”, diz a nota.

Como em outros grandes eventos sediados pelo Brasil — como a Copa de 2014 e as Olímpiadas de 2016 — pode demorar anos para se medir qual legado a COP30 deixará para a capital paraense, E, ainda, se serão positivos. Por ora, a população se divide entre o otimismo das oportunidades, o pragmatismo de quem vê obras de infraestrutura em evolução (embora lenta) e o anseio das vozes locais que buscam um espaço prometido, mas não totalmente garantido. 

Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.

A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.

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