Editorial
10/08/2014Comércio e liberdade são inseparáveis

A popularização dos cartões de crédito e de débito gerou benefícios para a sociedade, empresas e consumidores. Transações feitas dessa forma são rastreáveis e representam incentivo à emissão de nota fiscais. Otimizam o fluxo de caixa do estabelecimento comercial e eliminam o risco de inadimplência, pois são vendas garantidas, isentas, inclusive, do perigo de se receber dinheiro falso ou cheque sem fundos.
Os cartões favorecem o planejamento financeiro da empresa varejista pela regularidade dos depósitos e pode funcionar como atrativo para atrair mais clientes. Estes, por sua vez, ganham em segurança e podem aproveitar oportunidades mesmo quando desprevenidos de numerário.
Tudo isso posto, é preciso lembrar também que se o "dinheiro de plástico" veio para ficar, ele não substitui outras formas de pagamento. Para pessoas menos favorecidas ou que ainda não estão acostumadas com avanços tecnológicos, notas e moedas são, muitas vezes, o único meio disponível.
Como o comerciante, pelas razões expostas, é levado a aceitar os diferentes meios de pagamento, surge a questão do preço a ser praticado em relação a cada um deles. No século passado, uma infeliz resolução do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, de 1989, proibiu o varejista de diferenciar o preço da venda quando o pagamento ocorresse com cartão.
Mesmo naqueles tempos tenebrosos em que a inflação chegou a atingir 80% ao mês, o efeito da medida que visava proteger o consumidor foi prejudicial a este: os preços acabaram unificados pelos valores cobrados no cartão, então cerca de 20% mais elevados.
A medida, equivocada e tornada absolutamente anacrônica em razão da estabilidade de preços proporcionada pelo Plano Real, permanece inexplicavelmente até hoje em vigor. Evoca o que ocorreu em passado remoto, quando um imposto emergencial instituído na década de 1750 pelo marquês de Pombal, para financiar a reconstrução de Lisboa destruída por um terremoto, continuava a ser cobrado no Brasil às vésperas da proclamação da República.
Os efeitos nefastos da proibição de praticar preços diferenciados quando o pagamento ocorre com cartão saltam à vista. O primeiro deles é o engessamento do comerciante, que deve ser livre para gerir o negócio e praticar preços compatíveis com seus custos ou, ainda, para estabelecer parcerias e promoções em relação a este ou aquele produto ou serviço e respectivas formas de pagamento.
Como se sabe, as administradoras de cartão cobram taxas por vezes elevadas e estabelecem prazos dilatados para o reembolso ao varejista. Caso este precise do dinheiro de imediato, terá de arcar com juros, cada vez mais elevados na presente conjuntura do país. Outro custo a ser considerado é o aluguel da máquina para o uso do cartão.
Assim, será o consumidor o principal beneficiado caso a cobrança volte a ser diferenciada, permitindo ao lojista dar descontos para o pagamento em dinheiro vivo, que não implica custos já citados para a modalidade cartão.
Em resumo, caso seja aprovado na Câmara dos Deputados o projeto de decreto legislativo que passou no Senado, o Brasil terá eliminado mais uma ingerência indevida, que ignora um princípio básico: comércio e liberdade são irmãos siameses, inseparáveis.
O argumento contrário que se esboça, sobre a possibilidade de aumentarem os assaltos, é risível, pois o drama da segurança pública ultrapassa a questão de se ter mais ou menos dinheiro na mão. Que o diga quem já sofreu sequestro relâmpago ou teve o cartão clonado.
Abram Szajman é presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo em 09/8/14, página A03.
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