Editorial
08/09/2025Descuidada e zombeteira conjuntura
Paulo Delgado, sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP

Por Paulo Delgado*
Sonho errado, vexame certo. Nenhum país do mundo atual está no auge do seu triunfo. Muitos começam a pagar as dívidas próprias da velhice dos seus sistemas econômicos e de poder entregues ao esporte que virou a divergência partidária e ao funcionamento personalíssimo e de privilégios das instituições do Estado. Se o mundo está a caminho da desaceleração ou da recessão, não será o conflituoso mundo da política que vai melhorar as coisas. Mais reclamar do que explicar é a fórmula que ajuda a entender a encrenca que é ver os dois países ocidentais mais populosos comportarem-se com espírito de porco-espinho, ignorando os custos das escolhas erradas e do estímulo à formação de ambientes não consensuais.
O silêncio do parlamento e da diplomacia brasileiros, diante da tempestade antecipadamente anunciada, e a incapacidade de reconhecer a evidente incorreção de sua atitude, torna tudo imponderável. O conflito entre Poderes, que não arrefece, vai deixando que o tempo — e as pesquisas de opinião, hoje verdadeiros boatos estatísticos — vá ornando e contornando as coisas ao modo sucessão presidencial antecipada.
O comércio entre as duas nações sempre pode encontrar uma solução negociada quando velhos parceiros expõem com franqueza suas limitações produtivas e tecnológicas diante dos diferentes entraves em suas cadeias de suprimentos. Os Estados Unidos têm uma conhecida limitação em reservas de minerais estratégicos raros, enquanto o Brasil ainda apresenta baixo domínio em tratamento de dados, com alta vulnerabilidade digital. Além disso, enquanto o país norte-americano é dominante nas finanças e nas cadeias globais de valor com tecnologia de ponta, o Brasil é fornecedor-chave de insumos essenciais para essas mesmas cadeias, além de contar com uma biodiversidade e potenciais energético e social ímpares. Há ainda muita complementaridade a ser conjugada — e não devemos cair na precipitação de achar que ficamos melhor longe dos valores do Ocidente.
Com bons negociadores, pautados no bom senso ou na experiência diplomática renovada, mais a participação ativa de empresários que saibam exatamente onde o sapato aperta, as novas realidades tecnológica e comercial globais podem indicar caminhos para convencer a política a deixar a economia avançar.
Metade do ano já se foi e a reclamação comum de governos é a mesma — querem que as regras econômicas se ajustem ao imponderável e volátil mundo da política. De uma maneira geral, exceto a China e seu sinocentrismo ancestral — cujo lema é que o mundo deve funcionar atendendo ao interesse do Império do Meio —, nenhuma das nações líderes é tão astuta para se inserir no novo sistema internacional. Os Estados Unidos foram pegos com “calças curtas” de rico esgotado que não se renova. A Europa perdeu o charme com o divórcio do Brexit, que tirou-lhe o primeiro violino (o Reino Unido). O Brasil, país que não valoriza orquestra, não fez qualquer estudo sobre como lidar melhor com os desafios do século 21. Não há em qualquer setor da nossa sociedade uma unidade sobre qual é a participação mais vantajosa para o País no mundo atual.
Todas as nações, a seu modo, estão negociando e cedendo às pressões do governo norte-americano. Gaviões e passarinhos que preferem não aguçar a tensão para não provocar ações desconhecidas. A batalha das tarifas é a mesma dos impostos, esse gigantesco animal pré-histórico presente em todas as administrações de Estados perdulários, que gastam mais do que produzem e precisam avançar sobre o contribuinte, o fornecedor e o consumidor para manterem a sua saciedade.
* Paulo Delgado, sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP.
Artigo originalmente publicado no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.
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