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Editorial

Gal, Elis e Raul: vozes e transgressões que contribuíram para moldar a MPB

Revista Problemas Brasileiros relembra a trajetória de três personagens que ajudaram a construir a música popular brasileira

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Gal, Elis e Raul: vozes e transgressões que contribuíram para moldar a MPB

O ano de 1945 trouxe ao mundo três personagens que contribuíram para moldar a música popular brasileira tal qual a conhecemos atualmente. Elis Regina e Raul Seixas viveram pouco, mas o suficiente para serem lembrados como vozes de resistência e contestação à ditadura, entre os anos 1960 e 1980. Já Gal Costa, musa do tropicalismo, alcançou o século 21 como a cantora brasileira mais bem-colocada na lista de melhores de todos os tempos pela revista Rolling Stone.

Furacão do sul

Elis Regina de Carvalho Costa nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e passou a infância numa casa de madeira com quintal de terra batida, na periferia da capital gaúcha. Era estrábica e baixinha, mas dona de voz poderosa: aos 11 anos, cantava no programa infantil Clube do Guri, da Rádio Farroupilha, e, aos 14, ganhava em cachês mais que o salário do pai. Estava ainda na cidade natal quando gravou o primeiro disco, Viva a Brotolândia, com rocks e calipsos.

No fatídico ano de 1964, chegou à capital fluminense e desembarcou no Beco das Garrafas, pedaço do bairro de Copacabana, em cujos bares predominava o samba-jazz. Tornou-se a sensação do lugar, estrelando um show produzido pela dupla Luís Carlos Miele e — aquele que se tornaria o seu primeiro marido — Ronaldo Bôscoli. Com o bailarino Lennie Dale, aprendeu a usar o corpo no célebre balanço do seu “laia, ladaia, sabatana, Ave Maria”, da música Reza, de Edu Lobo.

O estouro aconteceu em 1965, quando venceu o I Festival da Música Popular Brasileira, realizado pela extinta TV Excelsior, com a música Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Morais. Em seguida, formou com Jair Rodrigues a célebre dupla do show O fino da bossa, que resultaria em três LPs gravados ao vivo e em um programa homônimo na TV Record, comandado por Elis durante dois anos. 

Sua carreira deslanchou a partir daí, no Brasil e no exterior, onde brilhou no teatro Olympia, de Paris, na França, e no Montreux Jazz Festival, na Suíça. Com o volume e a potência das grandes vozes, transitou da bossa nova ao jazz, ritmo em que era capaz de improvisar como as grandes cantoras negras estadunidenses. Acompanhada pelo pianista Cesar Camargo Mariano (seu segundo marido), gravou, em 1974, nos Estados Unidos, o célebre LP Elis e Tom, que eternizaria na sua voz a canção Águas de março, de Tom Jobim.

Ligada aos novos compositores, lançou Ivan Lins, com Madalena; Renato Teixeira, com Romaria; e a dupla João Bosco e Aldir Blanc, da qual gravou, entre outras, a canção O bêbado e a equilibrista, que se transformaria no hino brasileiro pela anistia aos exilados e presos políticos. 

Em 1982, Elis Regina foi encontrada morta em seu apartamento, em São Paulo, vítima de uma parada cardíaca provocada por consumo de álcool e cocaína. Em longas filas formadas no velório no Teatro Bandeirantes, e ao longo do trajeto até o Cemitério do Morumbi, fãs comovidos despediram-se da cantora morta aos 36 anos, no auge da carreira.

Maluco beleza

Raul Santos Seixas foi uma criança que gazeteava aulas em Salvador, onde nasceu, para ouvir rock and roll em seus primórdios, na loja Cantinho da Música. “Fui um fracasso na escola, que não me dizia nada do que eu queria saber. Tudo o que aprendia era nos livros, em casa ou na rua”, contava. Repetiu cinco vezes a segunda série do antigo ginásio, mas adorava literatura, a ponto de sonhar em tornar-se escritor.

Aos 15 anos, fundou o Elvis Rock Club e, aos 18, liderou a pioneira banda baiana de rock Os Panteras, que se transferiu para o Rio de Janeiro a convite de Jerry Adriani, um dos expoentes da Jovem Guarda. Em 1968, foi lançado pela gravadora EMI-Odeon o disco Raulzito e os Panteras, primeiro e único do grupo. 

Depois de “passar fome por dois anos na Cidade Maravilhosa”, como descreveria na música Ouro de tolo, Raul tornou-se produtor musical e, em 1972, participou do Festival Internacional da Canção com a música Let Me Sing, Let Me Sing, fusão entre rock e baião, com estrofes alternadas em inglês e português, que caiu no gosto do público e da crítica.

O sucesso estrondoso veio com o LP Krig-Ha, Bandolo!, que é, nas histórias de Tarzan, o grito de guerra do herói e significa “Cuidado! Aí vem o inimigo”. Além de Ouro de tolo, canção inspirada na visão de “um disco voador alaranjado”, segundo o próprio autor, o álbum trazia Mosca na sopa e Metamorfose ambulante. Nas letras das três músicas, Raul fustigava a classe média por seu comportamento fútil e por ter “aquela velha opinião formada sobre tudo”.

A parceria com Paulo Coelho, antes que este se tornasse um escritor esotérico mundialmente reconhecido, rendeu a música e o álbum Gita, que lhe proporcionou um disco de ouro pelas mais de 100 mil cópias vendidas em 1974. Maior êxito da carreira, a canção evoca o Bhagavad Gita, texto sagrado do hinduísmo. 

Seu último grande sucesso, Maluco beleza, foi adotado por integrantes da luta antimanicomial como hino informal do movimento. Em 21 de agosto de 1989, Raul morreu em São Paulo, aos 44 anos, vítima de uma pancreatite aguda, causada pela mescla de alcoolismo e diabetes.

Tropicália

Maria da Graça Costa Penna Burgos, nascida em Salvador, na Bahia, foi, primeiro, apelidada de Gau (com “u”) pelas suas amigas Sandra e Dedé Gadelha, irmãs que, posteriormente, se tornariam esposas dos compositores Gilberto Gil e Caetano Veloso, respectivamente.

Dona de uma voz raríssima e impressionante presença nos palcos — de acordo com Ricardo Cravo Albin no seu O Livro de ouro da MPB (Ediouro, 2003) —, ao chegar ao Rio, em 1966, adotou o nome artístico de Gal Costa, por sugestão do empresário Guilherme Araújo.

A estreia como cantora ocorrera dois anos antes, na inauguração do Teatro Vila Velha, em Salvador, que reuniu, além dela, Gil, Caetano, Maria Bethânia e Tom Zé — jovens baianos que davam os primeiros passos na música popular sob a influência do conterrâneo, criador da bossa nova, João Gilberto.

Sob a repercussão das músicas Alegria, alegria, de Caetano, e Domingo no parque, de Gil, sucessos no III Festival de Música Popular, realizado pela TV Record, em 1967, explodiu o tropicalismo, movimento que teria Gal como musa. Sua gravação da canção Baby, de Caetano, no icônico LP Tropicália ou Panis et circenses, tornou-se o marco inicial de uma carreira marcada por êxitos como Meu nome é Gal, Índia e Festa do interior.

Discreta quanto à vida pessoal, assumiu ousadias públicas ao posar nua para a extinta revista Status, pouco antes de completar 40 anos, e ao apresentar-se com os seios nus no show O sorriso do gato de Alice, em 1993. Gal nunca se casou, mas teve diversos relacionamentos íntimos com homens e mulheres, anônimos e famosos. 

Morreu em 2022, aos 77 anos, vítima de um infarto agudo, quando se preparava para participar de diversos festivais de música no Brasil e de uma turnê pela Europa.

Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.

A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.

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