Editorial
26/10/2014Imprensa sem censura

A decisão monocrática do Tribunal Superior Eleitoral da lavra do ministro Admar Gonzaga, de vetar a publicidade da última edição da revista "Veja", parece-me violentar o artigo 220 da Constituição Federal, que determina ser a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo imune a qualquer tipo de restrição nos termos da lei maior.
Não é o único dispositivo em que a livre manifestação é assegurada. O artigo 5º, no inciso 4, cláusula imodificável da Constituição, tem a seguinte dicção: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato".
O fundamento da decisão reside no fato de que a publicidade do conteúdo poderia prejudicar o processo eleitoral, às vésperas da eleição presidencial. Nada mais incorreto, com todo o respeito que o eminente ministro merece, do que a afirmação, visto que todos os fatos que dizem respeito aos candidatos que disputam o comando da nação, necessariamente, devem ser de conhecimento público.
Se a reportagem da revista "Veja" estivesse apresentando fatos não ocorridos ou imaginados, deveria ser punida. Não pode, todavia, receber censura -a proibição da publicidade representou evidente censura- simplesmente por tornar públicas as declarações do homem que, até o presente, ninguém contestou ter sido aquele que transferiu recursos obtidos ilegalmente da Petrobras para fora do país.
Se mentira fosse -e muitas mentiras foram apresentadas durante a campanha eleitoral-, a revista poderia ser impedida de apresentar, não a reportagem, mas as inverdades pretendidas.
No caso concreto, entretanto, a revista apenas veiculou investigação semelhante àquela que nos Estados Unidos tornou-se o grande mérito de dois jornalistas durante a Presidência de Richard Nixon (1969-1974).
A função da imprensa é investigar e fornecer ao povo as informações necessárias desde que elas tenham origem e tenham razoável credibilidade, como no caso da Petrobras sugere o pedido de delação premiada do referido doleiro.
Em outras palavras, nenhuma censura pode ser feita à revista que veiculou um depoimento que obteve, e que efetivamente ocorreu, sobre desvios ilegais de recursos da Petrobras. Numa eleição dessa magnitude, é importante que o eleitor avalie o peso ou não das informações dadas, desde que não sejam forjadas, e essas informações não foram forjadas porque representam rigorosamente o depoimento do doleiro.
Pessoalmente, não estou me posicionando sobre a veracidade dessas informações, que serão aprofundadas durante a investigação. Posiciono-me apenas como professor de direito constitucional que fui a vida inteira, defendendo a irrestrita liberdade de imprensa e tendo informações de relevância com foros e credibilidade de dar a público, para que o povo possa avaliar a sua razoabilidade ou não.
Um fato é certo, reconhecido pela própria presidente da República: houve desvios. Outro fato relevante é que as duas pessoas envolvidas no desvio na Petrobras pediram delação premiada.
Nada mais razoável que as informações daqueles que foram instrumentos do desvio sejam levadas a público na liberdade irrestrita que tem a imprensa de informar, numa democracia, o povo brasileiro.
Dessa forma, espero que o colegiado do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, constituído de eminentes ministros, volte a permitir a plenitude de vigência e eficácia do artigo 220 da Constituição Federal e que, com o devido respeito ao preclaro ministro que censurou a revista "Veja", modifique a sua decisão monocrática.
Ives Gandra Martins é presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP.
Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 27/10/2014, seção Opinião.
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